Nos últimos dias, muitas pessoas próximas do PSD
e do Governo têm procurado passar a ideia de que o "memorando da
troika" estava mal desenhado desde o princípio (Maio de 2011), e que é por
isso que as medidas do Governo estão a falhar, e não por culpa do próprio
Governo. Há poucas ideias mais falsas do que esta, e convém que os portugueses
não se deixem manipular assim.
Vamos por partes. Em primeiro lugar, quem quiser
ler o memorando original que foi assinado entre o Governo de Sócrates e a
"troika", em Maio de 2011, pode ir lê-lo, o link está no final deste
post. Relembro apenas que o documento teve o apoio expresso não só do PS, mas
também do PSD e do CDS.
Se o lerem com atenção, vão verificar que não
existem em lado nenhum as quatro medidas mais emblemáticas do Governo de Passos
Coelho. Não está lá escrito que é necessária uma sobretaxa no IRS (aplicada no
Natal em 2011); nem que é necessário cortar os subsídios de férias e de Natal
aos funcionários públicos e pensionistas (aplicada em 2012); nem que é
necessária uma alteração na TSU (tentada sem sucesso em Setembro de 2012); nem
está lá dito que é necessário um "enorme aumento" do IRS (aplicado em
2013).
Ou seja, no memorando original, a estratégia
escolhida era muito mais de cortes no lado da despesa, e não de aumentos de
impostos ou de cortes salarias ou de subsídios. Foi Vítor Gaspar que, mal se
viu ministro das Finanças, decidiu escolher uma via diferente, e optar pelas
escolhas que optou.
Pode mesmo dizer-se que, não fossem as invenções
graves de Gaspar, e a sua mudança abrupta de estratégia relativamente ao que
estava acordado com a "troika", e certamente a recessão não teria
sido tão grave como está a ser.
Vítor Gaspar, bem como um grupo de pessoas em seu
redor (António Borges, Carlos Moedas, Braga de Macedo) é que conseguiram impor
a sua via ao Governo, convencendo um inábil e pouco preparado Passos Coelho de
que o ajustamento na sua versão PSD, ultra-rápida e à bruta, iria resultar
muito melhor do que o ajustamento "light" que estava previsto no
memorando original.
O PSD é pois responsável por este ajustamento e
pelos seus resultados cruéis, e não pode agora vir dizer que era o memorando
que estava mal desenhado. Isso é absolutamente falso. Foi Gaspar quem adulterou
o memorando, e seguiu outro caminho. A culpa não é da "troika", a
culpa é de Vítor Gaspar e do Governo.
Contudo, não se pense que a culpa é só deles,
porque não é. Há muita gente inteligente e poderosa que apoiou de uma forma acéfala
e acrítica a estratégia "hard line" de Vítor Gaspar, que falhou
rotundamente. Infelizmente, o PSD contou com o apoio expresso de muita
luminária, em todos os sectores.
Nem vale a pena falar de António Borges, mas há
mais gente. Na banca, Fernando Ulrich foi o grande campeão do apoio ao Governo,
chegando a falar em "ditadura do Tribunal Constitucional" (!!!!) e a
dizer, com um certo gozo, que o país "aguentava" mais austeridade!
Na sociedade civil, Isabel Jonet também foi uma
grande apoiante desta estratégia, e na maior parte da comunicação social
escrita, houve muita gente que deve andar agora envergonhada do que escreveu há
dois anos! Nem vou falar em Camilo Lourenço, pois esse está para além da
salvação possível...
Era bom que toda esta gente levasse a mão à
consciência e a sentisse pesada, pois foi com o apoio de muitos deles que
chegámos onde chegámos. Mas, é esperar demais. A humildade não é uma
característica dos iluminados...
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